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Cronicas-->Carta ao Presidente -- 06/04/2000 - 16:29 (Jorge Rondelli da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Presidente, deixa eu te pedir uma coisa: Quando fores inaugurar alguma obra, escolha uma que foi realizada em algum município do interior do país. Mas não vá para lá de avião ou helicóptero. Vá de carro com sua comitiva. Estás precisando conhecer melhor o país que governas.
Logo ao sair dos limites de Brasília começarás a ver como são belas, seguras e bem sinalizadas as estradas brasileiras. Talvez depare-se com alguns buracos, mas não se impressione. Devem ter sido provocados pelas chuvas. Sabes como às vezes é cruel a natureza. Não culpe-se. Sigas em frente.
Verás como vivem bem nossos pequenos proprietários rurais e também aqueles que foram assentados pelo maravilhoso programa de reforma agrária desenvolvido, não só por ti, como também pelos teus antecessores, todos com uma visão social de fazer inveja a qualquer grande pensador. Alguns desses homens do campo, imagine, já moram em casa de alvenaria, com luz elétrica! Um luxo. E os lindos galpões que armazenam a produção? Que maravilha! E o crédito rural? Financiamento rápido pelo Banco do Brasil. Supimpa!
Peças para diminuir um pouco a velocidade dos carros da comitiva! Estás perdendo a oportunidade de ver, lá no meio do mato, uma casinha de barro. Peças para o motorista parar. Olhe! A casinha de barro! É uma escola! Mas que coisa sensacional! A meninada tem onde estudar!
Vá até a escola e repare como é bem cuidada. O chão está varrido. É de terra, mas como a escola tem teto, não faz lama quando chove. E o quadro negro? Ah, está ali. Não é que seja um quadro negro. É uma tábua pendurada na parede. Mas está bem lisinha e limpa. Dá para escrever com o giz. Aliás, com pedaços de carvão. É o que se usa nessa região. A meninada não reclama. O que importa é o conhecimento transmitido pela professora. A dessa escola é Dona Santa. Não é o nome dela não! É apelido! Passou a ser chamada desse jeito pelos camponeses porque, apesar de só ter o primário, ela foi a única pessoa da região que resolveu dar estudo para a criançada. Que atitude nobre! Mesmo sem ganhar nada. Apenas pela vocação e altruísmo. Belo povo brasileiro, não é senhor Presidente? Graças a Deus temos muitas escolas iguais a esta no nosso país.
Sigas em frente. Não vistes quase nada. Vá registrando no teu bloco de notas todas a coisas interessantes e novas. Sei que estás doido para chegar ao município para inaugurar a obra. Aliás, não sei se te informaram, a obra, na verdade, não está concluída. Não vás se decepcionar. Sabes que no Brasil os governantes não são donos de suas obras. Eles sempre as deixam inacabadas para que os próximos também possam inaugurá-las. Coisas do nosso evoluído processo eleitoral. Raras vezes ocorrem problemas de superfaturamento, mas sempre os envolvidos pagam pelo delito. Sabes muito bem que a justiça é cega e pune severamente os meliantes. Principalmente os do colarinho branco. As prisões brasileiras estão cheias deles, não é mesmo? Os que roubam para comer, nossos ladrões de galinha, geralmente são perdoados pela justiça, raramente são presos.
Em frente, Presidente! Terás uma bela surpresa. Olha só! Um grupo de pessoas na margem da estrada! Peças para a comitiva ir devagar. Repare, são índios! Estão acenando! Estão magros e abatidos! Será que os fazendeiros expulsaram eles de sua terra? Ora, que pergunta mais imbecil! Claro que não! Estão magros e abatidos porque vieram de muito longe para ver a comitiva presidencial passar. Deixa os índios prá lá. Não podes chegar atrasado para a inauguração da obra. Sabes muito bem que a FUNAI cuida muito bem dos nossos índios. Aprenderam com os portugueses, lembras? Foram eles os primeiros a tratar de forma digna nossos índígenas. Lembras de Caramuru? Santo homem!
Não percas tempo, Presidente. Vá em frente. Estás chegando no município. Olha só que linda casa! Que bela plantação! Peças para a comitiva parar. Estão todos com sede. Vá até a casa e se apresente. A casa é do Prefeito do município. Olha só o poço artesiano! Que bela obra! Essa está acabada! Como pode existir uma casa assim tão bela num município tão pobre? Ah, sim, o Prefeito ganhou várias vezes na loteria esportiva. Homem de sorte! Sabes de uma coisa? Todos os parentes do Prefeito trabalham na Prefeitura. Emocionante ver a união familiar. Ah, mais uma coisa. Aquela senhora que serviu água para a comitiva é a mulher do Prefeito. Ela cuida das obrigações domésticas. Só vai na Prefeitura para receber o salário. O lar é coisa sagrada.
Sede saciada, vá adiante Presidente!
Pronto! A comitiva chegou na sede da Prefeitura. Ah, aquelas pessoas em volta daquele prédio aguardam a vez para serem atendidas no posto de saúde. Problemas simples. Dengue hemorrágica, febre amarela, meningite, essas doençinhas corriqueiras. Já tem vacina para tudo. Belo posto de saúde. Tá pintado e tem até médico uma vez por semana. Os enfermeiros e seus auxiliares dão conta do recado. Caso mais grave tem solução. Botam o paciente na ambulància e o levam para Brasília.
Olhes para longe. Vejas aquela indústria! Qual? A da seca. Sim, a indústria da seca. A que mais prospera no Brasil. Esquecestes?
Sei que estás um pouco cansado, Presidente. Deves ter anotado tudo no teu bloco de notas. Olhe quanta coisa anotada. E tudo isso só nessa viagem. Ainda tem tanta coisa...
Vá, Presidente. Inaugure logo essa obra. Vai ficar faltando a tua. Sim, a tua obra. Quando começarás a realizar a tua obra?
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